Diário de Aventura: DCC da Galera Cap. 5

Desenho feito por um dos meus jogadores.

Nas últimas empreitadas deste estranho grupo de aventureiros, um esdrúxulo causo se sucedeu. Uma planta impossivelmente grande cresceu do dia para a noite, subindo até as nuvens e levando até um castelo no céu, morada de um terrível e mesquinho gigante. Após se envolverem em inúmeros perigos, nossos heróis conseguiram dar cabo do gigante, derrubando-o das nuvens à seu inescapável destino, a morte. Saudados como salvadores do vilarejo atormentado pela ameaça, os aventureiros receberam inúmeras honrarias e recompensas. Contudo, mal sabiam eles que algo os observava oculto. Algo esperava apenas uma chance para obter sua vingança. E suas maquinações poderiam levar o grupo a criar a perfeita oportunidade.


Uma figura nas sombras

Iniciei a sessão descrevendo ao jogador do meio gigante Cicinho uma cena de pesadelo. Um globo de escuridão o observava de maneira ameaçadora e por mais que o personagem tentasse correr, não conseguia escapar. Ele acordou de súbito, causando uma comoção na hospedaria onde dormia o grupo e despertando o restante de seus companheiros para uma cena de invasão. O andar onde dormiam apresentava sinais claros de pegadas que cobriam todo o corredor e sinalizavam a invasão de alguns quartos, dentre eles o do mago Scaminosflaw e do próprio Cicinho.

As pegadas daquilo que parecia uma criatura inumana apontavam que o invasor havia parado ao lado da cama do mago. Pedi uma jogada de Vontade para o jogador e indiquei que ele havia perdido 3 pontos de Inteligência e sofria uma forte enxaqueca. Intrigados pelo acontecimento, os jogadores me informaram que iriam buscar maneiras de investigar, talvez seguindo as pegadas ou conversando com a dona da hospedaria.

O ladrão Corvus e o vigarista Beto se aproveitaram da boa vontade da dona da hospedaria (que eles, aliás, já haviam passado a perna na aventura anterior) e arrancaram um cupom "vale-presente" que poderiam gastar no boticário de sua sobrinha. Além disso, Beto também decidiu ir até a construção de sua igreja, observar como andava a obra e tudo mais.

Ximbica, um dos aldeões libertados durante o incidente do castelo no céu, havia se juntado ao grupo e decidiu se reunir com Cicinho, tentando acalmá-lo e ajudá-lo enquanto descansavam nos arredores da hospedaria. Martina, a filha do prefeito, também havia se unido ao grupo e decidiu utilizar-se de seus poderes recém despertados para buscar auxílio ou pistas acerca do ocorrido. Realizou um ritual xamânico e se conectou com o espírito de Mestre Ensinador, entidade feérica que havia aprisionado em seu corpo, numa tentativa de obter informações acerca do que poderia ter os atormentado na noite anterior.

O mago Scaminosflaw conjurou cães farejadores para  rastrear de onde vinham e para onde iam as pegadas. Descobriu rastros que levavam à floresta que rodeava o vilarejo mas que se perdiam entre as árvores. O elfo ancião Manel, por sua vez, interrogava a senhorinha da hospedaria, tentando usar um pouco de charme para descobrir se ela havia percebido algo de estranho.

Todos faziam alguma coisa e eu deixei mais ou menos em aberto o que poderiam fazer no vilarejo, onde desejariam investigar ou o que gostariam de fazer durante o dia. Beto ouviu que os construtores temiam alguma coisa, uma presença amedrontadora que parecia caminhar por entre a floresta. Corvus fez amizade com Hannah, a boticária, e aceitou acompanhá-la até o cadáver do gigante que repousava nos arredores do vilarejo. Martina lembrou de boatos acerca de uma bruxa da floresta. Manel conversou com um estranho hóspede recém chegado na cidadezinha, um tal de Barbazul, sujeito esquisito.

Em determinado momento estavam Corvus, Beto, Scaminosflaw e a boticária investigando os arredores do cadáver titânico. A mocinha elfa Hannah discorria acerca de possíveis propriedades do pé de feijão mágico e dizia que gostaria de encontrar uma possível flor preservada para estudos posteriores. Interpretei Hannah de um jeito bem divertidinho, espero que possa explorar mais da personagem futuramente. Bem, o local onde exploravam se revelou um grande nojo. O cadáver se decompunha, ainda que de forma atrasada devido a aura mágica do gigante, e exalava um odor terrível que atraía vermes e criaturas necrófagas como abutres e algumas espécies de lobos. Tiveram de evitar um bando desses canídeos, mas descobriram que o cadáver possuía marcas de mordidas bestiais e sinais de que o um dos olhos havia sido arrancado.

Chamaram o restante do grupo para averiguar as possíveis pistas e, quando se preparavam examinar o corpo do gigante, ouviram um estrondoso urro vindo da borda da floresta, há uns vinte metros. Uma criatura monstruosa se revelava diante dos aventureiros. Bípede, pouco mais de dois metros e meio de altura, pelos grossos, chifres pontiagudos, olhos vermelhos sedentos por sangue. Uma mescla bizarra entre humano e bovino, uma criatura vinda diretamente do inferno. Era um terrível bovisomem! Alguns personagens lembravam da silhueta do monstro, era como aquela da noite do baile dos diabos. Seria a mesma criatura ou outra da mesma espécie? Não sabiam, mas ela parecia pronta para a batalha.

Pedi para que me indicassem suas ações e eles decidiram se preparar para combater a fera, que investiu com toda sua força e perfurou o ladrão com um de seus chifres. O mago conjurou outro animal, desta vez um gorila e ordenou que atacasse. Logo o grupo cercou a besta-fera e começou a atacá-la com tudo que tinham, deixando-a à beira da morte. O bovisomem, então, agarrou Cicinho e tentou forçá-lo rumo a um tronco quebrado pontiagudo, na tentativa de empalá-lo, mas o meio gigante venceu na competição de forças e empalou o próprio no lugar.

Respiraram aliviados por terem saído com vida. Teria se resolvido o mistério da criatura misteriosa? Na verdade, não. Perceberam que os cascos do bovisomem não coincidiam com os rastros inumanos que investigavam. Provavelmente o monstro havia apenas sido atraído pela carcaça do gigante. O mistério ainda pairava no ar.

Mente de titânio

O grupo apresentou súbito interesse na carcaça do gigante, mais especificamente em seu crânio pútrido. Scaminosflaw, o mago, indicou que tinhas curiosidade em partir a cabeça do cadáver ao meio e investigar seu interior, logo foi atrás de materiais que pudesse utilizar para realizar a empreitada. Corvus, por sua vez, aparentou impaciência e seguiu pela fenda ocular, rastejando por entre a carne podre em busca de alguma pista. Manel, preocupado, seguiu logo atrás.

Descrevi como subitamente a fenda de carne foi envolta num aspecto nebuloso e pareceu alterar sua forma. O par de aventureiros se via num campo esbranquiçado e esquisito e sentia como se estivesse dentro de uma nuvem ou algo parecido. A "névoa" passou a se acumular e mudar de forma, transformando-se numa cena como num sonho. De repente estavam no castelo do gigante outra vez e viam ao próprio grupo fugindo do vilão, que repousava no chão, caído. Relembraram daquele momento da aventura passada, no qual atingiram o gigante com uma magia de Mestre Ensinador e aproveitaram as circunstâncias para fugir. Corvus começou a elaborar uma teoria de que estavam na mente do gigante, que de alguma forma conseguia reviver suas memórias.

O gigante percebeu os invasores em sua consciência, mas parecia ignorante acerca do estado pós-morte no qual se encontrava. Avançou furioso em direção a Corvus e Manel, mas o ladrão rapidamente percebeu que, caso sua vontade fosse poderosa o suficiente, poderia moldar o ambiente onírico ao seu redor e utilizou essa habilidade para encontrar um ponto para se esconder. O elfo ancião escolheu encarar a ameaça de frente e a atacou com seu pesado martelo. Pedi um teste difícil, mas ele foi bem-sucedido. Um clarão de luz ofuscou o lugar.

Enquanto isso, do lado de fora, Scaminosflaw voltava com os equipamentos para efetuar seu plano de partir o crânio. Descobriu acerca dos companheiros que descuidadosamente adentraram o cadáver e não mais retornaram. O grupo decidiu se apressar, pedi alguns testes, mas pareciam sem sorte.

Em meio às memórias do gigante morto, o par de aventureiros se viu num espaço diferente, algo como um deserto prateado com o céu escuro. Perceberam um tipo de construção mais à frente e avançaram para averiguar, encontrando um templo antigo e o próprio gigante, que conversava com uma figura misteriosa. Era outra memória, dessa vez acerca de algo que os personagens desconheciam. O ladrão atravessou entre algumas rochas e se aproximou da conversa, mas foi logo percebido pela figura misteriosa, que se apresentou como um gênio, uma entidade poderosíssima, mas que estava aprisionada. Corvus se perguntou como a entidade conseguia estar consciente dentro de uma memória, mas aquilo deveria estar dentre as capacidades do poderosíssimo ser. Manel se aproximou também e informou ao gigante acerca da situação: ele estava morto e aquilo era apenas uma de suas memórias. Confuso, ele resistiu a informação, mas logo começou a se questionar de si mesmo e o que teria acontecido a ele. Foi então que ouviram as batidas.

O restante do grupo, que ficara do lado de fora, finalmente conseguira abrir uma fenda no crânio do cadáver. As batidas ressoavam dentro do sonho/memória. O par de aventureiros não sabia o que viria por aí, mas sabiam que algo estava para acontecer. O gênio, sem mais tempo a perder, informou que ele e o gigante teriam realizado um pacto: ao blindar sua mente contra ataque mentais, o gênio teria a garantia de que seria posteriormente libertado. Contudo, com a morte do gigante, a entidade estaria selada para sempre. Ele ofereceu aos personagens um trato: caso fossem ao seu resgate, teriam um desejo realizado. Antes de dizer onde estaria localizada sua prisão, foi interrompido.

A próxima coisa que Manel e Corvus viram foi a luz do sol. Estavam em meio a massa encefálica do cadáver, banhados por gosma pútrida. O interior do crânio estava revestido com um material metálico, que identificaram como titânio. Compreenderam que aquela era a tal blindagem do gênio e por isso a consciência do gigante estava presa mesmo após a morte. Talvez a tal blindagem fosse uma proteção contra Mestre Ensinador, a entidade feérica que desejava possuí-lo mas agora estava presa no corpo de  Martina. Mas... Agora que a consciência do gigante estava livre da mente de titânio, o que aconteceria?

Imediatamente respondendo a suas dúvidas, uma voz trovejante ecoou pela clareira da cratera. O gigante, libertado de sua prisão mental não aceitava a própria morte e culpava os aventureiros por sua queda. Seu ódio mantinha sua alma e sua experiência pós-morte lhe concedera controle sobre aquilo que não vive... Nesse momento, indiquei aos personagens que a alma enfurecida iniciara um tipo da catástrofe necromântica, fazendo os mortos começarem a emergir da região da floresta. O cadáver do bovisomem também se levantara! A presença ameaçadora sob o local exercia uma pressão inegável! Eu tinha muita coisa preparada para a possibilidade dos personagens libertarem a alma enfurecida do gigante... Mas não contava com uma coisa.

Scaminosflaw, ao lado do crânio recém aberto, imediatamente puxou sua chave mágica gigante, conseguida na última aventura. O jogador disse que usaria ela no cérebro do cadáver, como se fosse abrir uma fechadura. Pensei por um instante. Isso abriria o corpo do cadáver, espiritualmente falando. A abertura criaria uma vazão imediata, dissipando aquilo que restava da alma enfurecida. Então, a cena se sucedeu mais ou menos assim: alma do gigante libertada! Catástrofe necromântica! Trilha sonora de armageddon! Jogadores giram uma chave. Catástrofe resolvida.

Não era nem de perto como eu imaginei que essa situação se desenrolaria, mas o jogador teve uma ideia tão boa e agiu tão rápido que eu não poderia retirar essa vitória dele.

Mas aí eu pensei numa boa complicação. O que ele tinha acabado de fazer tinha aberto margem para algo ainda melhor. Deixe-me explicar. Os aventureiros tinham ido até o cadáver investigar acerca de algum tipo de criatura que havia invadido seus aposentos na noite anterior. Haviam enfrentado alguns perigos, certo, mas não tinham encontrado a figura misteriosa ainda. Eis que, nesse momento, descrevi que Manel, o elfo ancião, começou a se sentir esquisito. Seu corpo começou a tremer, ele adquiriu características bestiais enquanto seu corpo parecia se retorcer e transformar. Manel começou a se transformar em outra coisa, algo de fora desse mundo. Seus amigos foram a seu auxílio, tentar protegê-lo (de maneira similar como quando alguém tem uma convulsão) e notaram que seus pés adquiriam aspectos idênticos ao padrão de pegadas que investigaram... De repente um dos globos oculares de Manel explode e se separa do resto do corpo. O elfo volta a sua forma original enquanto seu globo ocular flutua no ar.

Uma risada malévola preencheu a mente dos presentes. A voz de Lorde Olho, o lorde alienígena que haviam enfrentado em sua incursão a Fortaleza de Ferro, foi imediatamente reconhecida. Com seu característico discurso de vilão (eu fiz uma entonação de voz de vilão cartunesco para ele), o inimigo explicou que havia transferido uma parte de sua consciência para o elfo quando foi derrotado pelo grupo e vivia em seu subconsciente, tomando controle quando o guerreiro dormia. Havia se aproveitado para reunir poder o suficiente e aguardava o momento oportuno para pegar os aventureiros de surpresa e completar sua vingança. A blindagem mental agora tinha uma fenda. A chave mágica havia aberto o caminho perfeito. O olho flutuou para longe do alcance do grupo... E mergulhou na direção do cérebro do cadáver.

Conclusão

O presente capítulo de nosso diário de campanha comprime o relato de duas sessões e acabou num gancho insano. A consciência de um lorde alienígena tomando controle do corpo de um gigante zumbi? Isso parece ser muito doido. Isso, para mim, é a epítome do gênero gonzo. Aliás, eu preciso tomar um tempo para discutir por aqui o que exatamente é isso que chamo de gonzo.

Nossa aventura foi cheia de reviravoltas e conceitos estranhos se entrelaçando, mas no final das contas os jogadores adoraram — e eu também. Vejamos como as coisas se desenrolaram nessa boss fight no próximo capítulo de nosso diário.

Um comentário:

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