RPG Não é Sobre Contar Histórias

arte por Glad27

Ao pesquisar sobre a definição de RPG, é muito provável que você chegue à descrição de que ele é "um jogo de contar histórias" e que um bom Mestre de Jogo é um "grande contador de histórias". Seguindo essas ideias, muitas pessoas sentem a necessidade de estudar elementos de Narrativa, como enredo, trama, plot twist etc. para se preparar para uma aventura, ou até mesmo evitam jogar por acharem que não são boas o suficiente nessas coisas. Em suma, algumas ideias problemáticas sobre o jogo podem nascer dessa conceituação de RPG, conceituação essa, aliás, que eu não concordo. Porque RPG não é sobre contar histórias.

Para o melhor entendimento do que estou falando, é interessante definir o que exatamente quero dizer com a palavra "história". História, de forma sucinta, é uma sequência de eventos contada de determinada forma e em determinada ordem. Sendo assim, se eu digo que, sei lá, "joguei uma bolinha para o meu cachorro brincar, ele pegou a bola, me devolveu e depois eu joguei a bolinha de novo", eu estou contando uma sequência de eventos, uma história.

É claro que o ato de jogar RPG acaba produzindo uma história, mas, se você parar para pensar, qualquer coisa pode produzir uma história. Se você conversar com um pescador, com certeza vai encontrar uma ótima história de pescaria, mas ele não pesca com intuito de criar uma história, ela surge naturalmente. Ele pesca porque ele quer pegar peixes e possivelmente se divertir enquanto faz isso. Não tenho certeza, não sou pescadora.

O RPG surge de um constante diálogo entre os participantes, onde a Mestra apresenta um cenário ou situação e a Jogadora interage com isso, então a Mestra fala as consequências das ações tomadas e a Jogadora responde mais uma vez. A partir dessa conversa nasce uma descrição de uma sequência de eventos, ou seja, uma narrativa (não confundir com a história que é simplesmente a sequência de eventos). A narrativa emerge como consequência dos jogadores interpretando seus personagens e interagindo dentro desse mundo imaginário. Essa interação nasce de uma situação-problema, um conflito. Talvez a situação seja um grupo de goblins atacando uma caravana, talvez seja um mistério envolvendo pistas e investigação ou qualquer que seja a premissa da sua aventura.

Por isso, eu gosto de definir RPG como um jogo sobre interpretar um personagem e enfrentar problemas. História é apenas a consequência das ações tomadas na aventura. Quando se tem isso em mente, os participantes, e principalmente a Mestra, ganham muito mais liberdade, pois não precisam se prender a um rumo de história, a trama não precisa ser previamente preparada. Ao focar nas situações-problemas e nos cenários, fica muito mais fácil preparar uma aventura e ter em mente o que fazer para manter o jogo rolando.

É claro que abraçar essa abordagem de jogo exige muito mais improviso por parte do Mestre, mas isso gera alguns impactos bastante positivos, pois, à partir daí, ele passa a descobrir várias coisas da aventura junto com os jogadores, se surpreende com eles e pode desenvolver várias ideias que partirem do grupo. Sob a perspectiva das jogadoras, também é possível obter grandes vantagens, pois um jogo que não fique preso à ideia de ativamente criar uma história dá mais espaço para que as decisões dos personagens impactem de verdade os rumos da aventura. E uma das coisas mais importantes num RPG é a agência dos jogadores.

A discussão sobre o RPG e o Storytelling (o ato de contar uma história) é uma ótima maneira de induzir reflexão sobre o jogo, pois o modo de experienciar a narrativa é muito particular e único, totalmente diferente de um livro, filme ou mesmo videogame. Para mim, entender como utilizar essa forma particular de narrativa é o verdadeiro segredo para rolar um ótimo jogo. E, sim, render uma ótima história para contar depois.

Referências

The Personal Experience of Narratives in Role-Playing Games

MM&D - A Response to "DMing is Not Storytelling"

4 comentários:

  1. Exelente publicação, nós temos a tendência a simplificar muitas coisas quando não conhecemos muito sobre, mas tudo quando estamos inseridos no meio é um universo enorme.

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  2. Pra mim RPG não e sobre conta histórias, RPG e sobre fazer sua própria história e sobre a liberdade de está pronto para desafiar a si mesmo e as situações que estão a sua frente RPG e isso e fazer oque pode com oque tem.

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  3. Role-Playing Game, Jogo de Interpretação, como o nome já diz, nossa interpretação das coisas, nossas ações e, como você mesma disse, as consequências, são essas coisas que formam o RPG. Sem isso o jogo seria sem graça, claro que a história é algo que é consequência daquilo que nós jogadores e mestres fazemos juntos, mas também é preciso ter uma ideia prévia das expectativas sobre uma campanha, ou da história dela, chegar em um consenso sobre qual mundo, o que tem nele, fazer isso antecipadamente faz com que ambos players e mestres estejam cientes do que pode vir por aí e se prepararem e até terem uma improvisação melhor durante o jogo. Pra mim, apesar de concordar que a história é uma consequência do jogo, também acho que não existiria jogo sem uma história pra começo de conversa.

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    1. Acho que a gente só precisa alinhar sobre o que está falando. Tudo isso sobre o mundo, o que há nele, ideias prévias e etc. são o que no argumento eu chamo de cenário, então nesse ponto nós concordamos! Mas discordo totalmente sobre a necessidade de uma história para que haja jogo, pois é exatamente o oposto. A história que não existe sem o jogo.

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