Você Deveria Pensar Mais Sobre o Sistema (ou O Sistema é uma Ferramenta)

Arte por Glad27.

Há alguns anos, eu tinha o costume de tentar apresentar RPG para alguns dos meus amigos a fim de mostrar como opção de atividades que podíamos fazer juntos. Eles ouviam com interesse enquanto eu falava sobre o jogo, as inúmeras possibilidades de personagens que eles poderiam criar, a Narrativa que poderia se desenvolver e as situações legais que costumam rolar durante uma sessão de RPG.  E no começo a gente montava uma ficha, iniciava uma aventura - e era divertido -, mas existiam alguns momentos que os aborreciam. Normalmente eram os momentos em que a fluidez do diálogo entre os participantes parava e as mecânicas por trás do jogo começavam a falar mais alto. Rolagens de iniciativa, combates demorados e pouco satisfatórios, longas consultas ao livro de regras etc. E era aí que eu os perdia.

Bem, na verdade, embora alguns se desinteressassem, existiam alguns que percebiam o grande potencial de uma sessão de RPG  e voltavam a jogar. Ou se interessavam especialmente por particularidades do sistema e se debruçavam sobre os livros, se divertindo a seu próprio modo, criando personagens, customizando suas fichas e tudo mais. Mas eu não conseguia deixar de pensar naqueles que não gostaram da experiência e sobre os motivos de não gostarem.

Atualmente, pensando de maneira crítica, tenho algumas considerações sobre aquilo que considero uma má compreensão da finalidade das mecânicas de um sistema de RPG em relação à ação de jogar e sobre como isso pode tornar algumas experiências menos divertidas.

Para mim, a escolha de um sistema tem uma importância enorme para o bom desenvolvimento de um RPG, pois é através de suas mecânicas que se estabelecem as regras daquilo que se espera do desenvolvimento da Narrativa. Se um sistema possuir bastante foco em mecânicas de combate, se passa a mensagem aos jogadores de que combates terão grande relevância durante as partidas. Se existe um atributo específico chamado "sobrevivência" na ficha de personagem, então espera-se que ele seja explorado durante as aventuras.

Muitos sistemas de regras pecam em sua concepção ao elaborarem mecânicas sobre coisas que fogem à sua proposta. Existe esse sistema chamado F.A.T.A.L., cuja ideia seria desenvolver especificações super acuradas com a realidade, bem estilo simulacionista, que, entretanto, possui regras de geração de personagem que contornam minúcias extremamente absurdas, como estrutura corpórea ou circunferência da cabeça. Quando um sistema incorpora regras acerca de alguma coisa, ele transmite a mensagem de que aquelas mecânicas ajudarão a criar o tipo de experiência que o jogo se propõe a passar. Se essas mesmas mecânicas não forem de utilidade, então o sistema falhou. Isso é um erro crasso no design de um sistema.

Sob a mesma perspectiva de que as regras norteiam componentes estimulados pelo jogo, pode se dizer que: se as mecânicas de um sistema se acumulam ao redor de um elemento, é esperado que aquele elemento seja apresentado como destaque. O problema que nasce a partir daí é que, muitas vezes, as normas passam a ser consideradas mais importantes que a Narrativa que está sendo desenvolvida e que as situações que compõe a história que está sendo criada.

É importante reafirmar que não advogo contra o conceito de mecânicas de RPG. Não, não, eu considero que o sistema importa. Mas é necessário pensar acerca da relevância que se dá às regras e rolagens de dados e como elas contribuem para o tipo de experiência que se propõe desenvolver durante uma partida. Se o seu grupo espera combates estratégicos, o sistema deve delinear elementos relativos àquilo; se o enfoque da aventura é investigação, as mecânicas devem estimular que os jogadores joguem um jogo de investigação. Para além das temáticas, as regras delineiam o conjunto de perspectivas na abordagem destes assuntos. As mecânicas de D&D 5e demonstram que o combate é a maneira como a maior parte dos conflitos acabará se desenvolvendo, enquanto as mecânicas de Call of Cthulhu informam que temas como insanidade serão abordados como aspectos ligados ao horror.

No final das contas, o sistema é nada mais que uma ferramenta que ensina os jogadores a se comunicar com a Narrativa do jogo. Se você quiser, pode dizer que o sistema apresenta um tipo de linguagem. Uma ferramenta serve a um fim, logo pode ser incongruente com a ideia principal do jogo tratar o sistema como enfoque do seu RPG. Se você acha mais divertido brincar com as mecânicas, tudo bem, concordo que isso pode ser muito divertido também, mas argumento em prol do tipo de experiência que penso ser mais adequada à proposta primária expressa pelo conceito do jogo. Interpretar um personagem. Encarar conflitos. Desenvolver uma narrativa. RPG é sobre as situações interessantes que a gente cria, não sobre as mecânicas de jogo.

Referências

System Does Matter

Is It Useful to Differentiate Between Systems and Content?

How Important are Systems to You?

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