Como Preparar Aventuras de RPG Que Não Sejam Uma Merda

Arte por howtodraweasy.

Quando era mais nova, eu costumava me debruçar por semanas em meu caderno de anotações, preparando a próxima aventura da campanha que jogava na época. Escrevia páginas e mais páginas daquilo que considerava que seria uma boa história a se contar e refinava os mínimos detalhes. Enquanto meus jogadores seguiam aquilo que eu havia preparado, tudo estava ótimo. Mas, com o tempo, eu passei a notar que, muitas vezes, as coisas não saiam como eu tinha planejado. À princípio, isso me causava ansiedade - como eu lidaria com algo fora dos trilhos? Nessas situações, eu percebia que minhas anotações não funcionavam, que haviam grandes falhas na maneira como eu me preparava. No final das contas, a maneira como eu preparava minhas aventuras era uma merda.

Neste artigo, apresentarei três linhas gerais que podem ser utilizadas como guias para estruturar a preparação de aventuras que desenvolvam um tipo de Narrativa mais efetiva e que exploram características comuns a boas aventuras de RPG.

Inicialmente, gostaria de esclarecer que, ao falar sobre "preparar aventuras", refiro-me ao processo de elaborar ideias acerca daquilo que pode ser desenvolvido no decorrer de uma partida de RPG. Aquilo que a Mestra produz como proposta de situações e desafios para o grupo. É muito importante compreender a colocação do termo "proposta", que indica as ideias apresentadas pela Mestra como uma opção, e não um caminho previamente decidido e determinado a ser seguido.

Numa aventura com maior nível de engajamento prevalece a agência do jogador, que é a capacidade de realizar ações que alterem e/ou desenvolvam as situações encaradas no decorrer da partida. Se o grupo decidiu tomar o caminho A em vez do caminho B, isso deve se desenrolar em consequências adequadas à decisão. Dentro desse cenário, o papel da Mestra é arbitrar o que seriam as "consequências adequadas".

Mas, seguindo esse pressuposto de que os jogadores devem ser livres para escolher os rumos da aventura, como se preparar?

Eis então que apresento a primeira das linhas gerais para preparar aventuras: não prepare histórias, prepare situações. Um jogo de RPG é diferente de outras mídias tradicionais, como cinema e literatura, pois os envolvidos são participantes ativos, não consomem passivamente aquilo que lhes é apresentado. Com isso, quero dizer que uma aventura que busque reafirmar a agência dos jogadores não propõe uma sequência programada de acontecimentos, pois isso 1) desencorajaria a livre tomada de decisão e 2) seria inútil caso o grupo tomasse outros caminhos não previamente elaborados.

As situações devem ser interessantes o suficiente para chamar a atenção dos jogadores, talvez envolvendo temas que eles gostem ou uma ideia geral que a Mestra considere especialmente intrigante ou notável. É claro que uma simples caverna com goblins pode ser interessante, mas uma situação na qual a trama apresente elementos ainda mais fantásticos e intrigantes pode ser mais interessante ainda.

É ideal que a situação se desenvolva independentemente da intervenção dos jogadores, mas que as ações deles possam mudar os rumos dos acontecimentos de maneira significativa. Nesse quesito, a estrutura do desenrolar dos eventos deve ser aberta o suficiente para comportar reviravoltas e direcionamentos imprevisíveis. Preparar esquemas de aventura focados em circunstâncias, personalidades, localidades e cenários pode ser uma boa maneira criar anotações que estimulem esta abordagem.

Como segunda linha geral, proponho que a Mestra desafie seus jogadores. Note que o desafio não é voltado aos personagens ou suas fichas, pois eles são apenas ferramentas dentro da Narrativa. Jogadores adoram enfrentar dificuldades e superar obstáculos, sejam eles enigmas, armadilhas, combates, perseguições ou conflitos narrativos. Como RPG é um jogo que se desenvolve no imaginário compartilhado dos participantes, para que um elemento seja, de fato, desafiador, ele deve instigar o pensamento e a resolução de problemas.

Um combate simples contra bandidos pode muito bem funcionar e ser divertido, é claro, mas será muito mais instigante, se os inimigos se utilizarem de estratégias de combate que estimulem os jogadores a pensarem em maneiras criativas de superar seus adversários.

Nesta abordagem de aventura, a Mestra não cria as soluções para os desafios - no máximo, prepara guias gerais de maneiras que o conflito pode ser desenvolvido. O papel de superar os obstáculos e criar uma solução é atribuição dos jogadores. Por meio de seus personagens, interagindo com as situações propostas pelo jogo, eles deverão pensar em formas de resolver problemas e, a partir daí, produzir uma história.

Por fim, gostaria de apontar a terceira das minhas linhas gerais para preparação de aventuras: o levantamento de complicações e reviravoltas. Que tipo de coisa pode ocorrer para transformar os eventos de maneira inesperada? Um aliado pode se revelar um traidor, o grupo pode descobrir uma verdade intrigante acerca da masmorra que estão explorando ou qualquer outra ideia que proponha elementos que desenvolvam a trama de forma mais complexa.

As complicações são utilizadas a partir do critério da Mestra. São elementos que existem dentro do conjunto de preparo da aventura, mas cujo momento de apresentação (e, na verdade, a própria necessidade de que essa apresentação aconteça ou não) fica totalmente a julgamento da Mestra durante o desenrolar do jogo.

Obviamente existem outras maneiras de se pensar em boas aventuras de RPG e diferentes reflexões que contribuam para a abordagem que aqui apresento, contudo, julgo que os pontos que expus podem ser de grande valor para o desenvolvimento de partidas mais interessantes e divertidas. Num artigo posterior tentarei tratar acerca de um dos mais importantes elementos de aventuras clássicas de RPG, a masmorra.

Referências

Dungeons Masters, How Do You Build Adventures?

How To Write Adventure Modules That Don't Suck

Não Prepare Histórias, Prepare Situações!

Criando Aventuras de RPG Completas Com 1 Folha de Papel e 1 Hora Livre!

4 comentários:

  1. Boa, aprendi isso aos poucos, a não preparar cenas ou um roteiro, mas o plano de fundo que vai ser alterado pelos jogadores.

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    1. gosto mt dessa concepção de que a mestra apresenta apenas situações e que cabe a todos durante a mesa desenvolver essas ideias

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  2. 1- Preparar situações
    2- Desafiar os jogadores
    3- Reviravolta, para transformar o evento de forma inesperada
    (Bônus; personagem é uma ferramenta)

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    1. exatamente, em resumo esses são os meus pontos!! alias pensando em numa postagem posterior desenvolver mais meu argumento de que personagem é uma ferramenta

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